Não posso deixar de expressar a minha discordância com o texto de autoria do cidadão A.H. , publicado no Ditadura do Consenso e intitulado “ Comparação do fenómeno criminal e social entre a Guiné-Bissau e os EUA como país de primeiro mundo”. O autor que me desculpe, mas, com todo o respeito (mesmo), essa análise é um triste retrato da mentalidade do Guineense comum. Faço questão de comentar a “análise comparativa” parágrafo por parágrafo e peço ao autor que não se chateie por eu discordar das suas idéias e argumentos, pois estou apenas fazendo usufruto da liberdade de expressão que a democracia me permite.
Sou um jovem como qualquer outro que aprecia imenso os filmes de acção, e como é natural a maioria dos filmes de acção que vejo vêem de Holywood (o fenómeno holywood).
“A verdade é que esses filmes transmitem uma grande verdade do retrato da sociedade americana. Convido a qualquer pessoa a passar num blockbuster ou vídeo club e fazer a escolha de qualquer filme de acção americano e no fim fazer a sua critica.”
Gostos não se discutem, caro compatriota, mas seria preferível recomendar filmes mais cult para se fazer análises de seja qual for a sociedade, não acha? Que tal basear a sua análise num bom documentário? Esses sim, retratam “verdades” sobre realidades. Se preferir, um bom drama baseado em factos reais também serve. Mas, por favor, não queira retratar sociedades actuais com base em filmes de acção e ficção que passam nos cinemas de quirintim de Bissau.
“É obvio que a ficção poderá aumentar e moldar um pouco a realidade, mas no que se refere a violência gratuita “ela é real!”. Basta abrir as páginas de informação ou vermos as notícias na TV.”
É óbvio que é exactamente isso que a ficção faz, senão não seria ficção. Ficção é fantasia, imaginação, expressão de um futuro próximo ou não, que pode vir a realizar-se, ou não. Sim, a violência está presente em todas as sociedades (numas mais do que noutras) e é tão noticiada em todos os meios de comunicação que acabou por se tornar banal.
Veja o Brasil, por exemplo. Não se pode julgar ou nem mesmo analisar o Rio de Janeiro baseando-se apenas em filmes como “Tropa de Elite” ou “Cidade de Deus”, apesar de eles retratarem, até certo ponto, uma porção da realidade de algumas comunidades.
“Não sou um antiamericanista longe disso, mas o que não aceito é que os EUA nos seus disparates se posicionem contra o meu país, chamando-nos de narcoestado, colocando nomes de dirigente do meu pais em listas do departamento de finanças americanos sobre que pretexto?”
LOL ! “Os EUA nos seus disparates”??? Ah ah ah ! Sim, realmente eles também fazem disparates (eleger duas vezes o Bush, invadir o Iraque, inventar o Al-Qaeda e atacar o próprio povo para o dominar pelo medo, criar e fazer explodir “bolhas financeiras” em Wall Street, etc etc etc), mas , caro A.H., páre e pense um pouco (mais). Quem anda nos disparates e palhaçadas há décadas e ainda quer “contar com a compreensão da “ Santa Comunidade Internacional dos Doadores Pacientes” que lhe dá esmolas é a Guiné-Bissau. E o nosso país é um narcoestado SIM! O senhor está à espera que mudem o nome do país para República Narcoestatal da Guiné-Bissau para aceitar e se revoltar com essa realidade??? Ou vai se conformar se e quando o fizerem?
É preciso dar “nomes aos bois”. Um dirigente nada mais é do que um cidadão como outro qualquer, com um cargo público que lhe confere direitos e responsabilidades para com a nação. Cá entre nós (sic), nós temos dirigentes que não são capazes nem de governar as suas próprias vidas e famílias como deve ser. E como é que deve ser? Com honra, competência, dedicação e civismo, acima de tudo.
Se esse dirigente está na Lista de Traficantes do Departamento de Finanças Norte-Americano, acredite que o nome dele não foi lá parar por acaso. Fez por merecer, assim como todos os demais “companheiros de lista”. Não seja ingénuo, camarada.
“Sinto-me mil vezes mais seguro em qualquer canto da Guiné-Bissau, do que nos EUA, país onde as probabilidades de ser assaltado por um toxicodependente ao virar da próxima esquina são enormes, ou de ser sequestrado por traficantes de órgãos humanos, ou de ser burlado por charlatões espalhados nas avenidas mais badaladas de Nova York.”
Parece que você anda a ver filmes a mais.... Quando foi a última vez que esteve na Guiné-Bissau? Olhe, eu estive lá ainda no início deste ano e não me sinto segura, não. Moro numa casa onde há grades em todas as janelas e um cidadão a vigiar à noite porque ladrões é o que não falta – e toxicodepentes também não.
Em Bissau, fui extorquida por policiais fardados e em horário de expediente, mesmo tendo todos os documentos do carro em dia. Isso é crime! Ainda não começaram a sequestrar pessoas, mas assaltos há com fartura. Tenho medo dos militares e evito até mesmo passar perto de um, pois vai que ele não goste da minha saia!
Pergunte ao Aly se ele se sente seguro e acredite na resposta dele!
Pergunte ao Aly se ele se sente seguro e acredite na resposta dele!
“A violência existe em toda a parte, mas as proporções entre a violência existente no meu país a praticada nos EUA, não se comparam. A proliferação de armas ligeiras nos EUA, não se compara a existente no meu país, alias o meu país não produz armas.”
Realmente não se comparam. Nos EUA não há tentativas de golpe de estado ano sim, ano não, independentemente do governo.
Nos EUA, eles têm legislação para a venda de armas de fogo e faz parte da cultura americana que um pai de família tenha uma arma para proteger os seus. E os americanos vivem aterrorizados pelo terrorismo.
Nos EUA (e noutros países), eles produzem armas que governantes ignorantes e analfabetos como os nossos, entre outros, compram.
Quer dizer, então, que você acha certo a GB não ser sequer capaz capaz de produzir as armas com que os seus militares sem formação nem noção de disciplina usam para intimidar o povo e atrasar a nação ??? Já agora, a GB não produz quase nada,e as armas são apenas mais um item na lista de compras internacional, que inclui desde alimentos e itens básicos de higiene a carros e mobílias de luxo.
“A nossa luta é a de sobrevivência humana, onde as pessoas despedem-se ao sair de casa todas as manhãs para garantir a subsistência alimentar. Contentando-se por ter um tecto, mesmo sem luz, sem casa de banho interior, sem banheira de hidromassagem, sem internet, sem conta no banco, sem número de segurança social, mas mesmo assim são felizes por estarem vivos, agradecendo a deus por não estar enfermo, planificando as próximas 24horas do amanhã.”
Só falta dizer que deviamos estar gratos por não termos salários em dia, serviços públicos em condições, telejornais, iluminação pública, estradas em condições, energia elétrica permanente em lugar nenhum. Deviamos estar gratos por não termos médicos e professores suficientes, hospitais e escolas equipadas, governantes sérios, idóneos e comprometidos com o desenvolvimento?
Por favor! Se o povo da Guiné-Bissau não fosse tão medíocre, tão conformado com o mínimo (ou nem isso, afinal estamos no séc.XXI...), se não fosse tão analfabeto, teríamos uma nação com a qual nos poderiamos orgulhar a sério.
Eu quero é isso mesmo tudo isso que você listou e muito mais: Internet em casa, no telemóvel, no trabalho e em todos os lugares possíveis, banheira de hidromassagem, energia elétrica 24/7, bastante comida boa no frigorífico, conta no banco (com muito dinheiro,de preferência) e colchão Molaflex.
Quero ter um emprego e receber um salário justo no fim do mês, quero ter que pagar contas referentes a àgua e luz fornecidas 365 dias por ano, quero ter número de segurança social, quero ter que pagar impostos para construir o país e quero uma reforma quando envelhecer.
Quero ter bons hospitais para o caso de adoecer, quero ter boas estradas para todos os lados e quero boas instituições de ensino para as crianças e jovens aprenderem coisas úteis e profissões que lhes permitam evoluir.
Quero ter sossego e estabilidade para trabalhar e planejar os próximos 24 anos.
O Guineense comum não tem ambição nenhuma – veja como vivem nas tabankas, como se ainda estivessem em 1850. São relativamente poucos os cidadãos guineenses com brio, os filhos da Guiné com ambição de ser mais e melhor. A maioria encaixa-se perfeitamente nesse retrato que o senhor fez tão bem: ignorantes, atrasados, analfabetos, preguiçosos e mendigos.
“O meu povo sabe sofrer calado sem reclamar. Sabe contentar-se com pouco (mesmo tendo ambição de muito). Muitas das vezes nos somos forçados a adoptar modelos de desenvolvimento impostos pelos doadores como condição de desbloqueio de pacotes de ajuda que não se adaptam a nossa realidade africana, o próprio povo nunca chega de ver esse “pacote de ajuda financeira” mas só de ouvir na rádio, enche-se de esperança “a Guiné-Bissau acaba de beneficiar de um pacote de ajuda orçado no valor de 20 milhões de euros”.”
O “seu povo” não sofre calado sem reclamar, não senhor! É só não darem o “pacote de ajuda financeira” prometido que se põem logo a reclamar, sem sequer ter em consideração que esse dinheiro provém do bolso de cidadãos de outros países que trabalham e pagam impostos aos Estados deles para construir e desenvolver os países deles. E é justamente isso que nós, guineenses, deviamos estar a fazer. Eles têm os problemas deles para resolver.
Contar com pacotes de ajuda financeira de outros países é como contar com o salário do seu vizinho para sustentar a sua casa.
Eles já nos dão dinheiro e você quer mais!? Se fosse o seu dinheiro, você não imporia condições para o dar? Pelo amor de Deus, páre e pense! O dinheiro é deles, provém do esforço deles. Eles têm mais que fazer e os próprios problemas para resolver, ao invés de estarem a controlar ou fiscalizar se a “esmola” realmente é usada para os devidos fins. Tenha dó!
Você acha que somos forçados a nos adaptar a modelos de desenvolvimento que não condizem com a nossa realidade? Proponha um modelo de desenvolvimento que seja melhor,então! Não espere o homem branco fazê-lo. Eles criaram o que serve para eles, que tal criarmos o que funciona para nós?
Oops! Espere um momento. O Guineense comum não tem criado nem construído praticamente nada nas últimas 4 décadas – só sabe destruir. Tivemos um presidente por mais de 20 anos que não construir nem sequer uma praça, uma escola, uma avenida em sua honra...e portanto hoje não há nada disso em sua memória - prova da falta de vontade/capacidade de pensar no futuro. Veja como estamos atrasados em relação ao resto do mundo! Vá até Dakar ou Bajul e se não sentir vergonha, por favor diga-me. Ai da Guiné-Bissau se não fossem essas condições impostas, nem quero imaginar quão pior estariamos.
A Guiné-Bissau está a tranformar-se, lentamente, numa província do Senegal. Quando alguém adoece, se tem condições, vai aos hospitais em Dakar ou até mesmo Ziguinchor, porque os nossos hospitais são uma vergonha. Já esteve no Simão Mendes? Olhe que ultimamente foi reformado, mas ainda assim continua uma vergonha, tendo em conta que é o maior hospital do país.
“Por momentos julgamos estar ricos, mas até ao cumprimento da promessa e ver a cor desse dinheiro que acaba por ser gasto no pagamento de consultores internacionais que para além de receberem fortunas, ganham o estatuto de cooperantes confundindo a hospitalidade do meu povo com a liberdade de poder fazer o que no seu país jamais lhe seria permitido. E o povo quando a fome aperta e volta ao seu velho sistema de “kudji kudji”, para garantir o mata-bicho do dia seguinte.”
Você está a apoiar isso? Acha que o “kudji kudji” e o “pidi simola” são os modelos que melhor se aplicam à nossa sociedade e que nos levarão ao tão desejado crescimento e desenvolvimento?? "Julgamos estar ricos" ??? Como é que vamos ficar ricos com ajuda externa? Não é para isso que se dá o dinheiro, é para construir coisas. Por causa desse tipo de pensamento é que o dinheiro é desviado para fazer uns e outros ricos. Às custas alheias.
Somos um povo simpático e patético. Se os estrangeiros abusam da nossa hospitalidade é porque isso lhes é permitido por nós. E deixe-me dizer que a maioria dos estrangeiros que estão na GB são muito gentís e gostam do nosso povo.
O facto de pensar apenas no mata-bicho do dia seguinte mostra a falta de visão de longo prazo, a falta de habilidade de pensar, programar e fazer acontecer no futuro. Mostra a mediocridade que nos tem na situação vergonhosa e mais do que lamentável em que nos encontramos.
O senhor, jovem A.H. , devia se lembrar que a Guiné-Bissau nem sequer tem indústria cinematográfica como deve ser para retratar e registrar a nossa realidade. Não por falta de bom cineastas, mas por falta de condições financeiras. Os filmes produzidos na GB já ganharam prémios internacionais, sinal de que há talento. Quem ainda não viu “Barudjo”? Imagine esses jovens com condições materiais e financeiras para produzir mais e melhor? Sabe porque não o fazem? Porque nenhum branco deu esmola/financiamento para tal. A TGB não transmite mais nem o telejornal pelo mesmo motivo, pois programas locais e novelas há muito que não há.
E a culpa é de quem? Do Guineense comum, que o senhor defende, e que é a causa maior do atraso da nossa Guiné por ser preguiçoso; não só não quer trabalhar, como também não quer ( ou não consegue?) pensar no futuro e não deixa que outros o façam. É desinteressado, não visão de longo prazo, não tem nem quer ter orgulho da pátria amada. É acomodado ao desconforto e se conforma com a miséria. Não tem brio nem ambição.
Essa comparação, típica de quem não conhece ou aprecia o bom cinema, de quem só vê filmes como “Rambo”, “Robocop”, “Extreminador do Futuro” e outros que passam nos cinemas de quirintim (já que nem um cinema de verdade temos no país...), vem defender o modus vivendi atrasado do Guineense comum e demonstrar indignação com “as coisas como elas devem ser”.
Nós, Guineenses exepcionais, queremos que as coisas sejam como devem ser e como são em todo o mundo no século presente. Sem “kudji kudji”, sem ter que nos preocupar com o mata-bicho do dia seguinte. Queremos segurança e estabilidade para vivermos com dignidade.
* Entenda-se aqui por Guineense, com G maísuculo, os homens e mulheres de nacionalidade guineense.