Um poder embriagante e efémero [In BissauDigital]

Luanda - Pouco mais de um ano após a vitória nas eleições presidenciais, Malam Bacai Sanhá aproxima-se do momento de vitória no xadrez político na Guiné-Bissau. Acossado por todos os quadrantes políticos, o Primeiro Ministro Carlos Gomes Júnior está cada vez mais fragilizado, sem aliados políticos que lhe permitam inverter a derrota total do seu projecto de desenvolvimento para o país.

Quando Carlos Gomes Júnior, então recém-eleito Presidente do PAIGC, abdicou de se apresentar como candidato do partido às eleições presidenciais de 2009, «deu o flanco» ao reaparecimento das ambições de Malam Bacai Sanhá. Duas vezes derrotado, por Koumba Yalá e por ‘Nino’ Vieira, Malam Bacai soube aproveitar o erro estratégico de Cadogo para pôr em marcha o seu sonho político. Tornar a Guiné-Bissau num regime governativo de cariz presidencialista, à semelhança de França e Angola, e em simultâneo eliminar politicamente Carlos Gomes Júnior, adversário eterno no PAIGC e inimigo pessoal de estimação.

Malam Bacai nem teve de se esforçar muito para conseguir os seus objectivos. Apoiou-se em aliados de ocasião descartáveis, geriu a pressão da Comunidade Internacional, a instabilidade dos militares guineenses, a clivagem étnica e as ambições pessoais de personalidades políticas do PRS e PAIGC que com Carlos Gomes Júnior tinham sido remetidas a uma profunda escuridão.

O papel dos militares

Conhecedor da realidade da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior baseou a segurança do seu projecto político na única pessoa que lhe poderia dar essas garantias de estabilidade, o então Chefe de Estado Maior, Zamora Induta. As movimentações dos militares de 01 de Abril, lideradas pelo revoltoso António Indjai, foi o primeiro passo de Malam.

O Presidente persuadiu António Indjai a virar-se contra Zamora, o que aliado à ameaça de detenção por envolvimento na aterragem de um avião relacionado com o narcotráfico em Cufar em 01 Março, originou no vice-CEMGFA uma «fuga para a frente», detendo o seu superior.

Com Zamora fora de jogo, Carlos Gomes Júnior conseguiu ainda assim manter-se no poder, fruto da forte pressão da Comunidade Internacional em defesa do respeito da ordem constitucional. Malam não terá perdoado a Carlos Gomes Júnior este apoio internacional, que se traduziu na prática numa crítica à participação conivente do Presidente nos acontecimentos de 01 de Abril.

As movimentações militares tiveram também por consequência a libertação de Bubo Na Tchuto das instalações da ONU em Bissau. Classificado como narcotraficante pelo Departamento do Tesouro dos EUA, o regresso de Bubo a Bissau, em Dezembro de 2009, teve desde o início a complacência de Malam. O Presidente depressa percebeu que o poder democrático em Bissau está na ponta das espingardas, usando a questão Bubo, visto como o herdeiro militar dos balantas, etnia maioritária nas Forças Armadas guineenses, para agradar às chefias militares no país.

Durante os cerca de cinco meses em que esteve refugiado no edifício da ONU em Bissau, Bubo manteve contactos regulares telefónicos com Soares Sambú, conselheiro presidencial para assuntos diplomáticos. Sambú foi o intermediário dos contactos proibidos entre Malam e Bubo, concertando as posições que permitiram as movimentações militares de Abril.

Além dos contactos com Bubo, Sambú foi também o responsável pela crescente entrada na Guiné-Bissau de Angola. Os investimentos nos fosfatos e bauxite, negociados por “Nino” Vieira e Manecas dos Santos, agora nomeado Embaixador guineense em Luanda, e o anunciado envio de um contingente militar independente para a Reforma das Forças de Segurança guineense, são sinais claros da vontade intervencionista angolana na Guiné-Bissau.

Sambú, «o intermediário», terá tido a responsabilidade de convencer Malam Bacai de que estas iniciativas angolanas seriam uma vantagem para a estratégia política do Presidente. Dinheiro, apoio internacional e uma guarda pretoriana mascarada de força de estabilização foram os argumentos irrecusáveis. Fica por saber o preço a pagar pelo Presidente, conhecedor das regras de um jogo de estratégia onde nada se oferece e tudo se paga. E tudo a seu tempo.

O Governo sombra

O papel dos conselheiros presidenciais foi fundamental para a vitória política que Malam se prepara agora para reclamar. Soares Sambú e Braima Camará terão sido os mais activos nos contactos políticos e militares, demonstrando uma fidelidade canina para com os objectivos do Presidente. Mas Malam poderá também ser também vítima do seu próprio jogo.

Sambú e Camará assumiram-se desde o início do mandato de Malam como uma espécie de Primeiros-Ministros «sombra» de Carlos Gomes Júnior. Ambos são conhecedores do débil estado de saúde de Malam, que sofre de diabetes, crónicas crises de hipertensão, e suspeitas de cirrose. A constante instabilidade guineense não terá ajudado em nada à saúde do Presidente.

Sambú e Camará sabem que a breve prazo Malam terá de ceder a alguém a sua influência no PAIGC e no país. Ambos se posicionaram para ocupar os lugares de principais candidatos a assaltar a herança presidencial. Mas sabem também que para reclamar o poder terão de eliminar politicamente Carlos Gomes Júnior.

O futuro político de Carlos Gomes Júnior joga-se ainda em dois tabuleiros. Por um lado, num PAIGC dividido em múltiplas alas de influência distintas. Por outro, num PRS de maioria balanta que pretende regressar ao poder o mais rápido possível, contando para isso com o apoio dos militares guineenses.

Ambos os grupos têm objectivos finais diferentes, mas com o obstáculo comum Carlos Gomes Júnior. Malam Bacai Sanhá tem sabido instrumentalizar os ressentimentos comuns dos dois grupos para criar uma frente de ataque ao Primeiro-Ministro, cada vez mais isolado politicamente.

A campanha de ataques a Carlos Gomes Júnior da última semana levou a que em Bissau se fale já numa «frente unida» contra o Primeiro-Ministro. Provavelmente, será esta a fase de ensaios do que se espera vir a ser o Governo de Iniciativa presidencial pós-Carlos Gomes Júnior, unindo as várias forças políticas, nos últimos anos colocadas à margem face aos bons registos de Governação do Executivo de Carlos Gomes Júnior.

O futuro da Guiné-Bissau

Paradoxalmente, a boa Governação e a melhoria de condições de vida na Guiné-Bissau terão motivado o principal erro estratégico de Carlos Gomes Júnior. Apoiado pela Comunidade Internacional devido à sua política de reformas, o Primeiro-Ministro terá confiado que a pressão externa seria suficiente para garantir a sua segurança no cargo, menosprezando as engrenagens políticas internas.

Com o abrandar da pressão da Comunidade Internacional sobre as autoridades da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior deu espaço de manobra a Malam para implementar a fase final da sua estratégia.

A nomeação de Bubo Na Tchuto como CEMA, no final de Setembro, teve o efeito de acalmar os militares, que viam no Presidente o principal obstáculo ao verdadeiro líder militar guineense. Com o decreto presidencial de nomeação, Malam recuperou a sua imagem aos olhos dos militares, detentores do real poder no país, e isolou Carlos Gomes Júnior daquele que poderia vir a ser o seu novo aliado militar complexo xadrez político guineense. Bubo regressa assim em força à liderança do país, preparando-se para impor as suas ordens e vontades até aos seus superiores.

No meio deste xadrez político-militar, o suposto «homem forte» António Indjai tornou-se num mero peão descartável, sentindo o poder fugir-lhe das mãos. Indjai sabe que com Bubo no comando da Marinha e da unidade de Fuzileiros a recuperação da saúde financeira do CEMA não demorará muito. E na Guiné-Bissau, com o dinheiro vêm também as fidelidades, o controlo das redes de influência e o poder real. Indjai sabe agora que o seu afastamento do cargo de CEMGFA é uma mera formalidade e uma questão de tempo.

Zamora Induta, António Indjai, Bubo Na Tchuto, Soares Sambú, Braima Camará, Koumba Yala. Todos actores de uma estratégia montada por Malam Bacai Sanhá contra Carlos Gomes Júnior. Todas as peças encaixaram de forma perfeita sem que nenhuma das promessas feitas à Comunidade Internacional tenha sido cumprida. Malam prepara-se para ocupar o trono, sabendo que na Guiné-Bissau o poder tem tanto de embriagante como de efémero.

Rodrigo Nunes

rodrigo.nunes@pnn.pt


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