Para que os guineenses leiam e reflitam: "O assalto às riquezas naturais da Guiné-Bissau : potenciais focos de tensão no país"

Bissau,30/11/10 - Em Bissau abundam os rumores sobre o estado de saúde do Presidente Malam Bacai Sanhá. Problemas de diabetes, hipertensão e mesmo cirrose hepática são as maleitas atribuídas ao Presidente Malam, de 63 anos, muçulmano de etnia mandinga. Maleitas estas que nem o constante recurso a mezinhas tradicionais e consultas a curandeiros locais, entre os quais a actual Ministra do Interior Satú Camará, conseguem debelar.

No final de Outubro último, Malam Bacai necessitou de ser evacuado de urgência para Dakar, Senegal, na sequência de nova crise de saúde. Uma crise que terá sido mais grave do que o que inicialmente as autoridades guineenses quiseram deixar transparecer. Malam necessitou de uma semana de internamento em Dakar, em vigilância completa pelos médicos senegaleses, para recuperar e conseguir regressar a Bissau.

O destino Dakar causou surpresa uma vez que Malam, desde que é Presidente, recorre regularmente ao Hospital de Val de Grace, em Paris, seguindo os passos do seu antecessor no cargo, Nino Vieira. Desta vez, a gravidade da situação terá levado os médicos senegaleses a desaconselhar uma viagem tão longa. 

No entanto, a recomendação não terá tido apenas contornos médicos mas também políticos, uma vez que o Presidente senegalês Wade, seu aliado político na sub-região da África Ocidental, pretenderia manter Malam no país para forçar a realização de uma mini cimeira informal para discutir assuntos políticos e sobretudo económicos.

Ainda que seja uma figura respeitada no contexto africano, Wade está longe de ser acarinhado em Bissau. Na Guiné ainda ninguém se esqueceu da participação das tropas senegalesas no conflito de 1998. Na altura, o levantamento da Junta Militar liderada por Ansumane Mané levou a que tropas do Senegal e da Guiné-Conakry participassem activamente nos combates em defesa do então Presidente Nino Vieira. Uma situação que a população guineense entendeu como uma ingerência injustificável e ainda não esquecida.

O Senegal é o “parceiro rico” da região da África Ocidental, fruto das estreitas relações mantidas com países muçulmanos, como a Líbia de Khadafi. Antiga colónia francesa (e ainda hoje acusado por muitos de ser o principal instrumento da política externa de França na região), ao Senegal é-lhe reconhecida a estabilidade que falta na maioria dos países da região, ainda as crescentes notícias de altas figuras do Estado em negócios menos lícitos estejam a chamuscar a reputação internacional do país. Apoiado nas receitas provenientes de uma forte indústria turística, o país tem sabido gerir a passagem dos anos coloniais para se assumir como um país com pretensões ao domínio da região.

No entanto, estas pretensões são minadas internamente pela continuação da guerrilha de Casamansa, movimento estabelecido na fronteira Sul do país (com extensão para a fronteira norte da Guiné-Bissau). E as incursões do Exército senegalês em combate contra a guerrilha estendem-se muitas vezes para território da Guiné-Bissau, onde a guerrilha manterá bases de rectaguarda e apoio logístico. Estas incursões acabam por invariavelmente levar a protestos veementes quer das autoridades guineenses, quer da própria população.

O marco 184

Em Setembro de 2009, um avolumar da presença militar senegalesa na sua fronteira sul levou à imediata resposta dos militares guineenses, com o reforço do efectivo militar na região. O aumento da tensão militar ter-se-á ficado a dever, oficialmente, a várias incursões senegalesas contra os rebeldes de Casamansa que acabaram em território da Guiné-Bissau. No entanto, o grau de tensão criado levou mesmo a contactos de alto nível entre os Presidentes e dos Chefes de Estado Maiores de ambos os países.

Em causa estava o traçado da fronteira entre os dois países. Ilegalmente, os senegaleses tinham deslocado o marco 184, junto a Cabo Roxo, servindo as tropas no terreno para legitimar essa posição recém-adquirida, acto a que o então CEMGFA guineense, Zamora Induta se opôs de forma veemente, respondendo com o destacamento para o local de uma forte componente militar. Chegadas ao local, as autoridades militares guineenses descobriram que o marco 184, delimitador da fronteira, se encontrava no interior de uma residência de um cidadão senegalês.

A importância da fronteira norte está sobretudo ligada às expectativas relativas aos recursos naturais marítimos nessa região. Apesar de não existir nenhum estudo que comprove a presença real de hidrocarbonetos no local, o Senegal pretendia ver aumentada a sua potencial parcela de exploração, caso se viesse a comprovar a riqueza do solo submarino, à qual acrescem todas as riquezas inerentes à extensão da plataforma marítima continental. Após as consultas de alto nível, foi o próprio Presidente Malam, quem ordenou o regresso dos militares aos quartéis, pondo termo à situação de tensão, no que alguns classificaram de ataque directo à soberania nacional guineense.

A riqueza dos recursos naturais da Guiné-Bissau pode bem vir a constituir-se num novo foco de tensão no país, com os principais actores a tentarem influenciar figuras chaves que lhes garantam o acesso às matérias-primas. Angola há muito que vem mantendo uma política de aproximação a figuras chaves, como é o caso de Manecas dos Santos, recém-nomeado Embaixador da Guiné em Angola, para garantir os seus investimentos na exploração dos fosfatos e bauxite. Também o envio de um contingente militar independente para participar na reforma de defesa e segurança das Forças Armadas guineenses é um sinal claro de que para Angola, a estabilidade política e militar é o melhor garante dos seus investimentos económicos. Além do nível militar, Angola aposta forte também em figuras políticas de segunda linha, como Soares Sambú, ex-Ministro dos Recursos Naturais e Conselheiro Diplomático do Presidente Malam, úteis enquanto demonstrarem capacidade de influência no curso das acções de vassalagem a Luanda.

A Angola junta-se também o apetite voraz da China. Com o novo milénio, a China deu início a uma nova orientação económica: aposta forte em África para obtenção de matérias-primas que permitam à economia interna manter um crescimento de dois dígitos. Petróleo, minérios raros, ouro e diamantes fazem parte da dieta voraz do dragão chinês. A Guiné-Bissau, cronicamente instável e de cofres depauperados mas com um território praticamente virgem em termos de exploração dos recursos naturais, assume-se como um alvo sério dos olhos chineses.

A lista de candidatos não termina por aqui. Rússia, Espanha e até Cuba têm intensificado contactos diplomáticos com as autoridades guineenses, salvaguardando potenciais interesses económicos no país. Resta, no entanto, saber se a Guiné-Bissau, estará na disposição de rejeitar a tentativa de absorção pelo Senegal, impondo as alianças por critérios de desenvolvimento estratégico e não por questões de ganhos pessoais que beneficiem políticos de primeira e segunda linha. 

A cimeira informal em Dakar entre o Presidente Wade e Malam Bacai assume uma nova leitura no contexto deste ataque aos recursos naturais da Guiné. O Senegal pretenderá garantir junto do mais alto representante político guineense que os seus interesses políticos e económicos sejam preservados. Se necessário for, Wade não se esquecerá de relembrar a Bacai todo o auxílio prestado na convalescença deste.

Rodrigo Nunes
rodrigo.nunes@pnn.pt

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