Kwame Kondé sobre a Guiné-Bissau

Epístola Sexta:

Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).

(I)
            Guiné-Bissau conhece, no actual momento, uma profunda crise estrutural, que a coloca, numa posição de vulnerabilidade crescente. Se computa em cerca de 30 000, o quadro dos funcionários, ou seja, um pouco mais de 2% da população, que absorve mais de 80% das receitas do orçamento do Estado do país. Donde, não há dúvida nenhuma, que se afigura, por conseguinte, assaz urgente, reestruturar a administração pública e valorizar as competências necessárias para a sua real eficácia.

(II)
            De feito, esta administração pública pletórica e caótica vinculada a uma economia quase inexistente, profundamente extrovertida e sem competitividade (de espécie alguma), constituem excelentes ingredientes para sustentar uma instabilidade político-militar, visto que as Forças armadas contam, ainda, nas suas fileiras, aproximadamente 60% de combatentes para a liberdade da Pátria, ou seja, os antigos resistentes da luta para a Independência. Por outro e, outrossim, a adopção do multipartidarismo não foi suportada por uma reconstrução das Forças armadas apropriadas para um Estado de direito. O que é facto, é que se mantiveram, de forma durável, na função de braço armado do partido no poder, com todo o cortejo de consequências, francamente funestas, não se vislumbrando, num horizonte temporal razoável, como e quando ultrapassar este estado de coisas…


(III)
            Com efeito, um tal estado de fraqueza, aliado à ausência de uma Política estrutural, tende a fazer da Guiné-Bissau refém dos que deveriam assegurar a sua integridade territorial. Dito de outro modo, as Forças armadas (outrora revolucionárias do Povoas FARP) se devotaram ao serviço do Partido Estado, no após independência.

(IV)
            Antes de mais, vale a pena, consignar, que, na verdade, durante longos anos, forammarginalizadas (ostensivamente) pelo poder político que não conseguia formular politicas públicas, no âmbito do sector da defesa nacional, tanto mais (e, por maioria de razão), visto que, em tempo de paz, a política de defesa deve associar, activamente as Forças armadas às actividades de reconstrução nacional do país (em conformidade, aliás), com as disposições da Constituição da República: Artigo 20, nº3. Não se trata de um mero acaso, se o legislador de 1999, votando um pacote de leis, no âmbito da modernização do exército, instituiu um Conselho Nacional Superior de defesa, presidido pelo Presidente da República e composto (designadamente), pelo Primeiro-Ministro, pelos ministros da Defesa Nacional, do Interior, dos Negócios Estrangeiros, da Economia e Finanças, Trabalhos Públicos, contudo, de sublinhar, que este Conselho nunca funcionou.

(V)
            Como, aliás, era de esperar, esta ausência de uma política susceptível de integrar as Forças armadas, numa nova configuração da sociedade guineense (em que elas têm a missão de defender), contribuiu para a transformação do combate político, no quadro do Estado de direito, num mero combate político-militar.

(VI)
            Eis porque, deste modo, em vez de se colocar ao serviço do Estado, os militares se consagraram à luta pelo poder. De facto, enquanto as Instituições políticas se mostramvulneráveispermeáveis à corrupção e a todas as espécies dos tráficos e de práticas ilícitas, o Estado se conduz como instrumento para a promoção do bem-estar pessoal, desnaturando a sua vocação real: o bem-estar geral. Ora, num Estado de direito em que os recursos financeiros são escassos e parcos, a luta para o poder tende para a violência e todos os meios são considerados como bons para atingir os objectivos almejados.

(VII)
            Favorecido pelo contexto de fragilidade institucional, o narcotráfico transforma, a pouco e pouco, a Guiné-Bissau em placa giratória da droga, a ponto, que foi qualificado perante o Senado norte-americano, pelo sub-secretário dos Negócios Africanos, Johnny CARSON, de primeiro Narco- Estado no Mundo. Uma tal acusação não é anódina (antes pelo contrário), na medida em que (ela) implica que as Instituições oficiais ocupam um lugar, no âmbito deste tráfico.

Lisboa, 01 Janeiro 2011
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).
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