Justiça, democracia e economia


Justiça, democracia e economia

In Correio da Manhã, escrito por Rui Rangel, Juiz Desembargador, em 02/12/2010

Escrevo hoje da cidade de Bissau, onde me encontro a participar na VIII Conferência dos Presidentes dos Supremos Tribunais de Justiça dos Países e Territórios de Língua Portuguesa.
Nesta terra africana de muitos cheiros, de muitas cores e de muitos sabores, finalmente respira-se estabilidade política e paz, devido à tenacidade e à determinação dos dirigentes políticos. Aqui discute-se ‘O Poder Judicial e as Sociedades Democráticas, realidades indissociáveis ao serviço do de-senvolvimento sócio-económico’.
Falar de Poder Judicial e de Sociedades Democráticas é o mesmo que falar de vida, de felicidade, de sofrimento, de angústia e de esperança. É o mesmo que falar de educação, de formação, de desenvolvimento económico, de atracção de investimento, de protecção do meio ambiente. É, ainda, o mesmo que falar dos novos desafios da globalização, da crise financeira internacional, do papel do Estado na regulação dos mercados e dos novos desafios impostos pela sociedade de comunicação, onde os media assumem uma função decisiva.
Nesta teia complexa de valores, de princípios e de interesses, a Justiça transformou-se numa montra gigante, onde tudo aparece exposto, com virtudes e fraquezas.
Sabendo que não há democracia política sem um poder judicial independente e imparcial, alertei para os perigos que a própria democracia potencia. Hoje temos um poder judicial descontente numa democracia descontente. Vivemos numa democracia descontente que deixou de ter como referência a lei, a dignidade da pessoa humana, a igualdade de oportunidades e a Justiça. Na verdade os grandes perigos de relacionamento destas duas realidades não vêm só das ditaduras, mas também das democracias representativas e pouco participativas. Nos tempos que sopram, a relação é feita mais de tensão, de ruptura, de desconfiança e de suspeição. É uma relação com perversões e fragilidades.
As democracias, ao produzirem líderes fracos e corruptos, potenciam a separação e a marginalização deste pilar essencial do Estado, que é a Justiça. Democracia e Poder Judicial vivem de costas voltadas não percebendo o sistema político que uma Justiça forte, dignificada e independente é a melhor garantia de manutenção dos valores democráticos. Neste rolo compressor da democracia que tolhe os movimentos de quem respira, se nada for feito torna-se impossível dizer que se trata de realidades indissociáveis. São antes realidades antinómicas que não se compreendem e que não respeitam o espaço de intervenção de cada uma.
Por vezes é o próprio Poder Judicial que oferece de bandeja a sua independência, devido a alguma promiscuidade existente, pactuando com os vícios da política e colocando-se mais ao serviço do poder político do que ao serviço da Justiça e do cidadão. A convivência é difícil sobretudo quando a Justiça bate à porta, não pedindo licença para entrar. É que mudou o público frequentador dos tribunais: o Estado, os titulares de cargos públicos, os poderosos, os " grandes do povo", como lhes chamava Montesquieu, já prestam contas à Justiça. E isto pode começar a fazer toda a diferença.
Tudo isto esteve em discussão neste Fórum Internacional de grande relevo para o aperfeiçoamento da democracia e da Justiça.
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Resnullius

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