Mulheres em Missão de Paz: uma brasileira em Bissau

ENTREVISTA / tentente-coronel Denise Dantas
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Nesse Dia Internacional da Mulher, o portal Comunidade Segura presta uma homenagem às mulheres que abriram mão da estabilidade e da rotina em seus países para assumir uma responsabilidade maior: ajudar a construir a paz em países conflagrados.
Com 25 anos de experiência na Policia Militar do Distrito Federal e especialista em gênero, a tenente-coronel Denise Dantas está em seu segundo mandato como membro da Missão de Paz da ONU na Guiné-Bissau.
Hoje, são 4 policiais militares brasileiros no país, parte de um contingente internacional de 14 policiais que deve subir para 20 em breve. Todos estão começando o seu segundo ano de permanência no país de língua portuguesa, mas é uma situação atípica, pois o Brasil raramente renova a permanência dos membros de suas forças e prefere uma política de rotatividade.
A tenente-coronel Denise Dantas descreve seu trabalho como administrativo, mas isso não faz justiça à sua intensa interação com a população da Guiné-Bissau, aos seus esforços de capacitação das policiais locais e de conscientização dos direitos da mulher em um lugar onde a tradição às relega às atividades mais duras e menos reconhecidas.
“A Guiné-Bissau tem uma sociedade patriarcal, mas isso não significa que o homem sustente a família. A mulher faz o trabalho pesado, é ela que trabalha na agricultura, é ela que carrega as crianças nas costas, leva os meninos para a escola e permanece analfabeta,” contou Denise, que treina policiais femininas da Polícia de Ordem Pública, mulheres quase sempre de uniformes rasgados e que às vezes não têm o que comer.
Mas mesmo nesse cenário, há espaço para crescimento: em 2010, pela primeira vez na história da Guiné-Bissau ela organizou um desfile em praça pública no Dia da Mulher. Mais notável ainda, este ano a Polícia de Ordem Publica adotou recomendações sobre o direito da mulher e os direitos humanos dentro da corporação.
As recomendações foram apresentadas pela oficial mas ainda não constam na lei do país e nem mesmo na sua Constituição. “É um trabalho de formiguinha e na África nada é garantido, tudo pode mudar de um momento para o outro”, afirma Denise.
Não é à toa que as Naçoes Unidas pediram que o mundo todo aumente o seu contingente de mulheres em forças de paz. O objetivo é que elas representem 20% do efetivo masculino até 2014. Elas ainda são poucas mas fazem uma grande diferença.
Em que a sua missão na Guiné-Bissau hoje difere da anterior no Timor Leste em 2007-2008?
Timor Leste foi uma missão executiva, usamos viaturas armadas, estávamos em situação de pós-conflito, em um cenário de insegurança. A missão na Guiné-Bissau é de construção da paz logo, é uma missão política e não autoriza aos policiais a andarem armados. Os oficiais em missão de paz na Guiné-Bissau são encarregados de trabalhos administrativos.
Como é o seu trabalho no país?
Guine-Bissau2dentrobetter.jpgEu trabalho na unidade de reforma policial do Setor de Reforma da Segurança do Uniogbis [Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau], e sou policial conselheira, mas tenho inúmeras funções.
Poderia detalhar?
O que chamamos de trabalhos administrativos envolve a criação e a implementação de projetos em várias áreas. Começa com treinamento e capacitação mas tem inúmeros aspectos.
Tenho especialização em gênero e sou instrutora de gênero pelas Nações Unidas. Eu dou capacitação para os policiais militares em missão e também para os policiais de Guiné Bissau. Também estou assessorando os trabalhos nas Forças Armadas locais. Hoje, as operações realizam uma grande variedade de tarefas, desde ajudar a instituir governos, monitorar o cumprimento dos direitos humanos, assegurar reformas setoriais, até o desarmamento, desmobilização e reintegração de ex-combatentes.
E como são as condições de trabalho no país?
Nós, da missão de paz, também somos vitimas das condições precárias de um pais africano. Sinto falta de muitas coisas, porém tenho superar isso a cada dia, principalmente quando vejo as condições desumanas da população, em que as maiores vitimas são as mulheres, as crianças e os idosos.
As violências com base no gênero, a violência doméstica, a violência sexual, o tráfico de crianças requerem um cuidadoso trabalho em que a mulher policial é melhor aceita e consegue se aproximar mais do foco do problema.
Como a ONU vê a questão de gênero nas missões de paz?
A ONU entende que as questões de gênero, o combate à desigualdade entre os gêneros e à violência contra a mulher, a proteção dos vulneráveis, enfim, todos estes aspectos, estão profundamente ligados ao trabalhos de construção de paz.
Como assim?
Há um cálculo do índice de desigualdade de gêneros que entra na composição do Índice de Desenvolvimento Humano. A redução da desigualdade entre os gêneros e o empoderamento das mulheres também está presente nas Metas do Milênio. Vem em terceiro lugar, depois da garantia à educação primária para todos e da erradicação da miséria e da fome.
A questão ainda se manifesta na resolução 1.325 do Conselho de Segurança da ONU sobre Mulheres, Paz e Segurança de 2000, e a resolução 1.820, que combate a violência sexual em áreas de conflito de 2008. Ambas incidem diretamente nas operações de paz.
E como isso se dá na realidade local?
A Guiné-Bissau é um país muito pobre, com um índice de analfabetismo que chega a 50%, sendo que esse índice se expressa sobretudo na população feminina. A Guiné-Bissau tem uma sociedade patriarcal, mas isso não significa que o homem sustente a família. A mulher faz o trabalho pesado, por isso é ela que trabalha na agricultura de arroz, é ela que carrega as crianças nas costas, leva os meninos para a escola e permanece analfabeta.
Além disso, aqui há a mutilação genital e o casamento forçado. Os homens têm cargos políticos. Até mesmo quando as mulheres têm cargos políticos elas exercem pouca influência devido à sua pouca educação.
E como isso influencia o seu trabalho com a Polícia de Ordem Pública?
A Guiné-Bissau tem várias forças policiais: a Interpol, a guarda de fronteira, a Polícia Judiciaria. Eu trabalho com a Polícia de Ordem Pública (POP), que é o equivalente à Polícia Nacional. Eu faço um trabalho de formação da polícia e trabalho a conscientização de questões de gênero, o que é muito complicado onde estamos.
A POP é uma polícia muito sofrida, passa meses sem receber salário, apenas uns 30% tem uniforme, e mesmo assim, a maioria usa uniformes rasgados. As mulheres não sabem ler e escrever, e nos meus cursos, eu tenho que limitar até o tempo de duração das aulas porque é comum elas não terem o que comer.
Na Guiné-Bissau, a mulher não é autorizada pela cultura da etnia a ser educada para aprender a ler e escrever por uma série de fatores históricos e culturais. Cerca de 46% da população é de muçulmanos e, além de fatores étnicos, culturais e religiosos, há também a ausência de uma lei nacional que interfira nessas tradições.
Qual é o ponto mais alto do seu trabalho na missão de paz?
Em 2010, pela primeira vez na história de Guiné-Bissau, eu organizei um desfile em plena praça pública, na principal praça da cidade, no Dia da Mulher. Foi um grande sucesso, juntamos as policiais, as mulheres das Forças Armadas e as organizações da sociedade civil.
Naquele ano, as policiais aprenderam a marchar. Este ano repetiremos o evento, mas desta vez estou ensinando as mulheres a comandar. Espero a participação de 300 pessoas. Isso sem dúvida teve e está tendo um grande impacto, mas acho que o maior sucesso foi outro, na POP.
Guine-Bissau3dentro.jpgO que foi?
Aqui em muitos aspectos o meu trabalho acaba sendo humanitário pois a mulher não conhece seus direitos. Este ano a Policia de Ordem Publica adotou um subdiretório que atende às recomendações sobre o direito da mulher, proteção de vulneráveis e os direitos humanos dentro da corporação.
Eu preparei esse subdiretório consultando as normas internacionais e acredito que o fato de a POP ter adotado essas normas  que não constam na lei do país e nem mesmo na sua Constituição só pode ser positivo. A ideia é dar sustentabilidade aos trabalhos de peacebuilding.
O que a senhora espera como resultado de longo prazo desse trabalho?
Esperaria que o pessoal capacitado para questões de gênero desenvolvam projetos institucionais e defendam esse tipo de questão. Que saibam o que pedir, onde pedir e como integrar a questão de gênero em todas as instituições políticas do país. É o que chamamos de gender mainstreaming em inglês, ou seja, fazer com que o essas questões se tornem moeda corrente na vida da nação.
Qual é o treinamento específico para atuar em forças de paz?
Além da formação e dos quatro anos de academia, a complexidade da realidade de segurança pública no Brasil dá a qualquer policial brasileiro dentro do seu treinamento normal, a capacitação para atuar em forças de paz.
Além disso, o policial brasileiro, homens e mulheres, são selecionados pelo Centro de Operação Terrestre do Exército (Coter) para missões de paz depois de passar por provas de tiro, dirigir veículos 4x4 e aulas de inglês. O sistema ONU se encarrega de completar o treinamento in loco.
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