"Há muito nervosismo e redobrou-se a acção policial", disse ao PÚBLICO o jornalista e activista anti-corrupção Rafael Marques, que confirmou a convocatória de uma contra-manifestação para dia 5. "É o MPLA que transforma [a convocatória] num evento mediático ao reagir e tomar medidas preventivas excessivas", considera. "A reacção do MPLA vale mais do que a própria convocatória, acaba por demonstrar a fraqueza do próprio regime, não havia necessidade de responder a uma convocatória anónima."
O apelo a um protesto contra o regime de José Eduardo dos Santos, à imagem das revoltas no Norte de África, e aparentemente influenciado por elas, é uma mensagem sob o título "Nova Revolução do povo angolano" que corre há cerca de duas semanas na Internet. "A manifestação antigovernamental em Angola vai começar no dia 7 de Março de 2011, de Cabinda ao Cunene. O acto central terá lugar no Largo da Independência em Luanda. Em toda Angola, vamos marchar com cartazes exigindo a saída do Ze Du, seus ministros e companheiros corruptos", refere a convocatória.
O texto é assinado por Agostinho Jonas Roberto dos Santos, designação fictícia que junto os nomes dos líderes dos movimentos independentistas de Angola ao do actual Presidente e se apresenta como fundador de um desconhecido Movimento Revolucionário do Povo Lutador de Angola (MRPLA).
Há uma semana, o secretário-geral do MPLA, general Dino Matross, teve uma reacção que denotou o nervosismo do poder, ao afirmar na rádio estatal que não se devia confundir "o que se passa nos países do Magrebe com a realidade angolana" e que, se fosse caso disso, o regime tomaria "medidas sérias". Mais tarde, o director de informação do partido, Rui Pinto de Andrade, afirmou à AFP que "só comenta coisas sérias".
O carácter anónimo da iniciativa levanta reservas, mesmo a críticos do MPLA, e não faltam sequer interpretações de "teoria da conspiração". "Quem não me garante que os serviços de informação não estão por detrás de tudo isso para saberem como está a organização do país?", escreveu o portal Angola24 Horas.
Bom para a democracia
Rafael Marques considera que o protesto marcado para as 0h00 do dia 7 "não se vai concretizar", porque "as pessoas não se vão juntar a quem não conhecem" e "não há nenhum tipo de mobilização". Além disso, observa, não se marca uma manifestação para a meia-noite. Mas "está todo o mundo, os luandenses, a falar do assunto e isso é bom para a democracia".
O professor universitário Fernando Macedo, que tomou também conhecimento do apelo pela Internet, considera que a convocatória devia ter ser sido feita de "forma transparente", com os promotores a identificarem-se. A iniciativa traduz, em seu entender, "um estado de espírito em relação a um momento histórico", mas a forma como foi feita "constitui em si um obstáculo à mobilização".
"Há motivos sociais e políticos para descontentamento. Se há capacidade de mobilizar pessoas ou realizar a manifestação, não tenho elementos para dizer", afirmou ao PÚBLICO Macedo, que é também um activista cívico e vê semelhanças entre o exercício do poder em Angola e nos regimes da Tunísia, Egipto e Líbia."Se o Presidente continuar no poder por mais tempo, e a exercer o poder como está a exercer, os angolanos vão-se organizar e vão fazer uma manifestação pacífica contra ele", acredita.
Lideranças temem efeito de contágio
O exemplo do Norte está a preocupar diversas lideranças africanas, que temem um efeito de contágio. A Guiné-Equatorial proibiu mesmo a difusão de imagens das manifestações em Tunes e no Cairo, segundo os Repórteres sem Fronteiras.
A agência AFP identificava há dias Angola, mas também Camarões, Chade, Guiné-Equatorial ou Zimbabwe, como países onde a pobreza, a corrupção e a falta de liberdade poderiam suscitar a cólera popular. Mesmo democracias reais como a África do Sul ou o Senegal não estão imunes a convulsões devido à pobreza extrema da maioria da população.Shehu Sani, militante nigeriano dos direitos do homem, manifestou à agência a convicção de que "a revolta popular na África do Norte vai inspirar a África subsariana de Angola ao Burkina Faso, da Nigéria à Eritreia". "A questão não é saber se o movimento popular acontecerá, mas quando", disse.
A AFP moderava, porém, tal optimismo, ao lembrar que a queda dos regimes tunisinos e egípcio foi possível pela benevolência dos exércitos e pelo uso da Internet e das redes sociais, que mobilizaram jovens à volta de partidos e sindicatos tradicionais - dados que não se verificam a sul do Sara, onde as forças armadas estão enfeudadas a quem detém o poder e a Net tem baixa penetração. Para além disso, a multiplicidade de etnias, manipuladas com fins políticos, torna difícil a unidade necessária a contestações de grande dimensão.